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OPINIÃO: Problemas inculturais latino-americanos


Sabem todos quantos me conhecem que gosto de esportes, especialmente de futebol e, mais ainda, do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e que, até, eventualmente, escrevo sobre o tema neste nobilíssimo espaço. Por isso, pela minha paixão clubística, quedei-me a pensar sobre os arranjos arquitetados pelos deuses do futebol depois da malcheirosa eliminação do Imortal Tricolor da Libertadores da América e do arremedo de justiça esportiva praticado pela Conmebol na decisão da reclamação e, posteriormente, de recursos intentados pelo Grêmio em razão das flagrantes falhas e ilegalidades praticadas pelo River Plate na partida de volta das semifinais - o cheiro ruim independe do desempenho esportivo.

Não tenho dúvida de que, irritados com esses fatos, esportiva e juridicamente lamentáveis, os deuses futebolísticos resolveram, na decisão da Libertadores, expor com a máxima crueza possível nossa incivilidade sul-americana e terceiro-mundista, para que todos no planeta saibam com quem estão tratando. Não é à toa que produzimos tantos caudilhos, tantos salvadores da pátria, tanto obscurantismo, tantos coléricos falsos heróis. O que se viu nas imediações do Monumental de Nuñes (estádio do River Plate), na dita europeizada Buenos Aires, apontada por muitos com uma referência cultural capaz de nos fazer lembrar das civilizadas capitais do Velho Mundo, não deixa qualquer dúvida quanto aos problemas inculturais latino-americanos (aqui, aproprio-me da expressão usada pelo pernambucano Osman Lins no título de um de seus livros, "Problemas inculturais brasileiros") e nossa incapacidade de, como torcedores, agirmos de forma equilibrada em situações que mexem de forma mais aguda com nossas emoções.

De resto, essa incapacidade de dialogar com as diferenças - também se vê isso no Brasil - se estende pelos mais variados campos da atividade humana, de forma muito especial quando estão em jogo nossas convicções político-ideológicas. Avançamos já quase duas décadas no século XX e continuamos agindo e nos comportando como se vivêssemos bem antes da afirmação dos principais postulados do processo civilizatório. O esporte - e deixemos de lado seus aspectos mercantis e utilitaristas - deveria ser oportunidade de congraçamento, de superação das dificuldades, de entendimento político e das barreiras socioeconômicas.

E, por favor, não vá alguém me chamar de sonhador, de homem dotado de ingenuidade amadorística à la Barão de Coubertain, o idealizador dos modernos Jogos Olímpicos. Não, não se trata de ingenuidade, mas de acreditar que a espécie humana tem possibilidade de superar seu egoísmo ancestral; que o homem pode mitigar seu desejo de ser superior ao seu vizinho e ser solidário, respeitando as diferenças, vendo no outro, no mínimo, o rascunho de um retrato de si mesmo em processo de transformação e acabamento. Enquanto isso não acontece, que os deuses do futebol façam a justiça possível e nos mostrem ao mundo como somos, sem maquiagens e sem photoshop.

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